Saudação da Saudade

 "Minha saudade
saúda sua  ida,
mesmo sabendo 
que uma vinda
só é possível 
noutra vida,
ainda assim 
minha saudade
te saúda e se 
despede de mim."

- Alice Ruiz -





O Silêncio e Eu by Bruno de Paula

(...) Hoje,
nada quero 
escrever.
Irei dedicar-me 
aos silêncios.
Meus silêncios.
Há tempos, 
não os ouço.
Preciso tocá-los
Senti-los
Afagá-los.
Ficarmos a sós,
deitados sobre 
as horas,
num lugar,
onde nem o vento
consiga nos escutar.



- Bruno de Paula -


De Tudo Que Fiz by Ita Portugal

Eu já o deixe ir quando na verdade eu queria que ele ficasse, aliás, eu pedi que fosse. Chorei todas as dores, todos os amores e angústias e cheguei a pensar que não ia passar, mas passou.

Eu já tentei posar de perfeita, mas deu tudo errado e consegui me recompor. Andei por caminhos que eu sabia onde daria, mas percebi que estava na trilha errada.

Procurei mil motivos para ser feliz e os motivos eram tão repentinos que passavam. Eu também tropecei, senti raiva, despedi a razão, contratei alguns sonhos e tentei por bem ou por força realizá-los. Alguns aconteceram e outros foram sonhos feitos de vento. Mesmo assim continuei de pé.

Eu julguei que era amor, mas o sentimento transformou-se em confuso e passageiro. Doeu e eu imaginei que não ia sarar, mas virou lembranças.Falei antes da hora, julguei erradamente, calei por birra, teimei e quebrei a cara, cai, mas levantei , continuei torta e inteira.

Mudei de ideia pensando ser melhor, mudei de hábito para conseguir algumas coisas. Reescrevi planos. Desfiz contratos para dar mais certo. Deu trabalho, mas fiz tudo isso, querendo escolhas melhores. E não eram. Paguei um preço caro por isso que não valeu o sacrifício. Reclamei, esperneei e finalmente entendi.

Flertei com a esperança e pratiquei a fé, esperando mover todas as montanhas do meu caminho. Superei apenas algumas pedras e fui obrigada a pegar alguns atalhos para desviar das restantes. Não era o bem o que eu espera, mas tudo bem.

Corri atrás da felicidade quando parecia que ela era atleta e sempre estava à minha frente. Fiquei aborrecida, mas não me abstive de tentar, mesmo sem grandes expectativas.
Amei com toda minha verdade e de verdade. Achei que era pra valer. Que era pra sempre. Que ia durar uma vida. Não durou o suficiente para me saciar.

Insisti. Ofereci. Esperei e nada aconteceu. Fui romântica excessivamente. Imperdoável. Inconsolável, sai de fininho. Inconformada, tive que guardar a história. Salvei-me e sobrevivi para contar.

Mesmo assim a vida consignou-me as intermináveis tentativas. Passei a viver do ainda faço, ainda tento, ainda consigo. E com todos eles, vivo uma história fenomenal, com a absoluta certeza de que não há nada errado comigo. Sou apenas imperfeita na tentativa de acertar. Com isso, eu só tenho medo de não ter tempo para cometer todas as outras loucuras que desejo.


- Ita Portugal -


Pior do Que uma Voz que Cala by Martha Medeiros

“Pior do que uma voz que cala, é um silêncio que fala!"
Imediatamente me veio à cabeça situações em que o silêncio me disse verdades terríveis, pois, você sabe o silêncio não é dado a amenidades. Um telefone mudo. Um e-mail que não chega. Um encontro onde nenhum dos dois abre a boca. Silêncios que falam sobre desinteresse, esquecimento, recusas.

Quantas coisas são ditas na quietude, depois de uma discussão. O perdão não vem nem um beijo, nem uma gargalhada para acabar com o clima de tensão. Só ele permanece imutável, o silêncio, a antessala do fim. É mil vezes preferível uma voz que diga coisas que a gente não quer ouvir, pois ao menos as palavras que são ditas indicam uma tentativa de entendimento.

Cordas vocais em funcionamento articulam argumentos, expõem suas queixas, jogam limpo. Já o silêncio arquiteta planos que não são compartilhados. Quando nada é dito, nada fica combinado. Quantas vezes, numa discussão histérica, ouvimos um dos dois gritar: “Diz alguma coisa, mas não fica aí parado me olhando!” É o silêncio de um mandando más notícias para o desespero do outro.

É claro que há muitas situações em que o silêncio é bem-vindo. Para um cara que trabalha com uma britadeira na rua, o silêncio é um bálsamo. Para a professora de uma creche, o silêncio é um presente. Para os seguranças de um show de rock, o silêncio é um sonho. Mesmo no amor, quando a relação é sólida e madura, o silêncio a dois não incomoda, pois é o silêncio da paz.

O único silêncio que perturba é aquele que fala. E fala alto. É quando ninguém bate à nossa porta, não há recados na secretária eletrônica e mesmo assim você entende a mensagem.


(Martha Medeiros)


Amo-te Tanto Que Te Não Sei Amar by Antonio Lobo Antunes

“Amo-te tanto que te não sei amar, amo tanto o teu corpo e o que em ti não é o teu corpo que não compreendo porque nos perdemos se a cada passo te encontro, se sempre ao beijar-te beijei mais do que a carne de que és feita, se o nosso casamento definhou de mocidade como outros de velhice, se depois de ti a minha solidão incha do teu cheiro, do entusiasmo dos teus projetos e do redondo das tuas nádegas, se sufoco da ternura de que não consigo falar, aqui neste momento, amor, me despeço e te chamo sabendo que não virás e desejando que venhas do mesmo modo que, como diz Molero, um cego espera os olhos que encomendou pelo correio.”


- António Lobo Antunes -



Posso? By Fátima Porto

Posso tocar-te?
Sentir o fervor
dos teus lábios,
A queimar os meus?
Tocar tua pele?
Posso olhar-te nos olhos,
E ver a alma dizer
segredos teus
Passear pelo teu corpo
Com a ponta dos
meus dedos?
Posso ousar?
Abusar?
Se me deixares
gerir este passeio,
Eu digo para onde
te quero levar
E dar-te aconchego,
paixão e desejo
Se puder tocar-te,
Sentir-te,
E amar-te,
Quero começar
tudo isso,
Com um doce e
prolongado beijo.



- Fátima Porto -



Por que eu tenho que esperar? O dia nunca me prometeu mais do que o dia e as expectativas me frustram, me ferem, me agoniam. Por que eu deveria ser luz a guiar teus olhos, se a noite me é escura e fria? Tanta saudade, moço, que chega a ser covardia. Promete, promete pra mim um milagre. Vista em teu corpo a minha paisagem e viaje. Percorra-me. Forasteiro que és te deixo sorrateiro, vagar pelas planícies das minhas costas. Por que eu tenho que esperar se te adorar é tão urgente?



- Patrícia Lara -


Continuo a Amar-te by São reis

Continuo a amar-te
continuo a desejar
ser-te pele e músculos
carne e sangue.
Continuo a querer
ser tu, apesar de tudo
e assim vou continuar...
...até que tu me vejas,
até que entendas 
que somos um,
até que deixemos
de ser dois estranhos
com medo de olhar
um dentro do outro.

- São Reis -


Tu Tens Um Medo by Cecilia Meirels

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.


- Cecília Meireles -



Agora eu era linda outra vez by Valter Hugo Mãe

 Agora eu era linda outra vez
e tu existias e merecíamos
noite inteira um tão grande
amor

agora tu eras como o tempo
despido dos dias, por fim
vulnerável e nu, e eu
era por ti adentro eternamente
lentamente
como só lentamente

se deve morrer de amor


- Valter Hugo Mãe -
in "O Resto Da Minha Vida Seguido
      de A Remoção das Almas"



Em Segredo by André Vianna

Meus olhos, infiéis,
Denunciam o querer
Insinuam-se pela tua pele
Curiosos do teu gosto
Renunciam ao pudor

Meu corpo, em vão, roga pelo teu
A impossibilidade do toque
É o que rouba o sossego
E, em segredo, me consome
- Essa fome pelo teu desejo -

No desdém do teu olhar
Meus sentidos se esvoaçam
Assim, desterrado da tua carne,
E despido de esperanças
Em mim se desenha a desilusão


- André Vianna -


O Quase – Luís Fernando Veríssimo (Apócrifo)

 Ainda pior que a convicção do não, e a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu ainda está vivo, quem quase amou não amou.
Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas ideias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.

Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor, não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cor, está estampada na distancia e frieza dos sorrisos na frouxidão dos abraços, na indiferença do “Bom Dia” quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz.

A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza. O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma,  apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.
Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência, porém, preferir a derrota prévia à duvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.


Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu. 


- Luiz Fernando Veríssimo -
(Apócrifo)





Prece by Adair Carvalhais Junior

Dá-me a lucidez das correntezas
para que eu descubra
entre as tristezas que se
avolumam algum
sorriso mesmo
que não seja para mim.

Dá-me a serenidade de uma
estrela para que eu imagine
entre as lágrimas que não
me deixam qualquer
paz ainda que breve.

Dá-me a claridade das
luas cheias para que eu invente
entre as angústias
que se esparramam um
horizonte mesmo
que se transmutem em ilusão.

Dá-me a esperança das
árvores para que eu teça
entre as ausências que se
intensificam uma sanidade
ainda que estofada de delírio

- Adair Carvalhais Junior -




Insônia by Marcelo Roque

Busco qualquer vestígio teu
Um átimo que seja
d'alguma presença perdida
- um perfume, uma carta,
um livro, um domingo nublado,
um sorriso disperso
no fundo do espelho
Qualquer coisa que,
ainda que de brilho oscilante,
teça o dia com a luz dos teus olhos
Qualquer coisa a qual me agarrar
feito um náufrago
Uma fagulha tua
numa madrugada sem fim
Qualquer coisa, enfim,
que no fundo d'uma noite fria,
faça ancorar um poema
num beijo não dado...


- Marcelo Roque -


Tinha Suspirado... by Eça de Queiroz

 "Tinha suspirado... Tinha beijado o papel devotamente. Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas como um corpo ressequido que se estira num banho tépido, sentia um acréscimo de estima por si mesma  E parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante onde cada hora tinha o seu encanto diferente... Cada passo conduzia a um êxtase... E a alma se cobria de um luxo radioso de sensações." 

- Eça de Queiros in Primo Basílio-



Despedida by Rubem Braga

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. 

É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus. A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.



Rubem Braga 
in “A Traição das Elegantes” 


Amor Em Versos by Bruno de Paula

O amor não se define.
Não cabe em palavras.
Amor é um afago,
Ladeado de procura

Amor é um coração em eco,
Pulsando sem ritmo.
Um olhar cego.
A ternura de um sorriso

O amor é a alma que fala.
Poema que não acaba.
Gestos que não se aprende.
É tudo, nunca um pouco.

O amor é vida.
É o universo em sonho.
É vento num labirinto,
Onde perdido...me encontrei.


- Bruno de Paula -



Simples Assim, Amor by Auber Fioravante Júnior

No meio da noite,
Introspecção, lábios e veios.
Em silêncio, em sintonia,
Alvéolos mais que perfeitos
Sob a sombra do corpo, nu!

Ainda não é meia-noite,
Mas as letras encaminham-se ao ápice
Do luar em fase cheia, em fase lúdica,
Lágrimas adormecidas despertam
Sobre os seios em xale aquecidos, pele!

A brisa sopra, o cortinado enfeita.
E os olhares... Ah, os olhares cruzam-se.
N’um dialogo único, pitoresco como nunca,
Almas que se enlaçam almas que se embriagam,
Juntando âmagos, unindo solidões!

Pela janela entre aberta
Adentra a madrugada imprimindo
Sonhos, matizes de um sentimento
De fechar olhos e se deixar amar,
Pois o navegar navega pelas ondas do mar!


De amor, simples assim!     

- Auber Fioravante Júnior -

“Como Se O Teu Amor…” by Nuno Júdice

Como se o teu amor tivesse outro nome no teu nome,
chamo por ti; e o som do que digo é o amor
que ao teu corpo substitui a doçura de um pronome
- tu, a sílaba única de uma eclosão de flor.
]
Diz-me, então, por que vens ter comigo
no puro despertar da minha solidão?
E que murmúrio lento de uma cantiga de amigo
nos repete o amor numa insistência de refrão?

É como se nada tivesse para te dizer
quando tu és tudo o que me habita os lábios:
linguagem breve de gestos sábios
que os teus olhos me dão para beber.


- Nuno Júdice  -


Amo-te by São Reis

Amo-te dentro de um tempo de esperas
onde o sono se mistura com o sonho
                                                      onde os olhos pesam e o sorriso foge
Um tempo onde os braços são ramos
                                                     e a voz um vento leve que te chama
Amo-te dentro de um tempo
                                                   onde o tempo chora a tua ausência
e o mar se recusa a embater nos peixes
                                                  onde o sol desfralda calor
e a noite se embala nas estrelas
                                                 Amo-te dentro de um tempo
sem tempo para nós.



- São Reis -

Em Algum Lugar

Em algum lugar
Sob a pálida luz da lua
Alguém está pensando em mim
E me amando nesta noite

Em algum lugar
Alguém faz uma prece
Para que nos encontremos
E nos alcancemos em algum lugar

E mesmo que eu saiba, da distância que nos separa
Ajuda pensar que podemos estar fazendo pedidos, 
a mesma estrela brilhante
E quando o vento da noite começa a cantar, 
uma cantiga de solidão
Ajudará a pensar que estamos dormindo, 
debaixo do mesmo e enorme céu

Em algum lugar
Se o amor nos ajudar
Então vamos estar juntos
Em algum lugar
Aonde os sonhos, são reais


Somewhere Out There - James Ingram

somewhere out there - Linda Ronstadt and James Ingram(with lyrics)

Afinidade by Arthur da Távola

"A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos.
O mais independente(...)

É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro.

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos
fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.

Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar.
Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.

Só entra em relação rica e saudável com o outro,
quem aceita para poder questionar.
Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar,
não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é.
E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso.
Isso é afinidade.
Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceita
o outro como ele é. Por isso, aliás, questiona.
Questionamento de afins, eis a (in)fluência.
Questionamento de não afins, eis a guerra.

A afinidade não precisa do amor. Pode existir com ou sem ele.
Independente dele. A quilômetros de distância.
Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.
Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar,
por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos.
Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos,
veremos ou falaremos.

Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou,
sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais,
a expressão do outro sob a forma ampliada e

refletida do eu individual aprimorado..."

- Arthur da Távola -


Não Me Lembro / Mas Sei! by Francisco Valverde Arsénio

Não me lembro se chegaste a pedir para entrar nos meus dias. Mas que importa, apetece-me afundar no teu olhar e perder-me num momento que não termine nunca. Só eu sei como a voz dos teus olhos tem mais timbre que o som das gotas de orvalho… e elas caem nesta madrugada vindas do cimo de todas as flores. Enraizaste-te em mim como a neblina ao beijar a terra por cima do monte… intensamente… e os corpos evadem-se nessa bruma densa… toco-te… tocas-me a alma com esse sabor selvagem de quem está presente mesmo quando ausente… és mulher!

© Francisco Valverde Arsénio


Se as Minhas Mãos Pudessem Desfolhar by Garcia Lorca


Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante 
que todas as estrelas
e mais dolente 
que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranquila e pura? 
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!


- Federico Garcia Lorca -


Recomeço by Beto Ribeiro

Não me despeço do amor...
Apenas canto-lhe uma pequena canção de ninar,
para que adormeça em meu coração,
e acorde mais tarde, quem sabe,
disposta a andar de mãos dadas,
em contemplação aos botões do roseiral,
que brotaram enquanto velei-te o sono...

Não me importo mais com tal partida...
Apenas principio a chegada do teu perfume,
em pensamentos sutis, de desvarios amorosos,
em ativar em dentro do peito,
o aconchego do aperto dos corpos inertes do foco,
na ignorância do querer afastar-te do amar...

Não suspiro mais a sua visão...
Somente inspiro atônito, o rejeitar incômodo,
de nunca mais ouvir o cantar da Perdiz,
estampado no abrir de minha janela ao alvorecer,
confundindo um tal bem-querer,
em malmequer de margarida qualquer...

Ah, enfim... Não preciso de comportamento assim...
Como quem em cisma de poeta,
assenta o suportar de figura incerta, de amar amarrar
e segurar o voar sem a mínima sensibilidade do
saber bater de asas, em permanecer num planar
singular, de pássaro que retorna em sempre...

Sem gaiolas de amor a necessitar estar...
Até breve, sonho meu...
Até logo Bem-te-vi...
Cante em voz alta este levante de liberdade,
e me espere no caminho, que estarei a lhe avistar...
 Sonho de rei... Que em sonho direi...

 - Beto Ribeiro -